No mês de abril o Educativo Flip convidou o professor e escritor Caio Zero para participar de duas ações realizadas em Paraty: a formação ‘Sementeira de leitura: a mediação na prática docente’, com equipes da Secretaria de Educação de Paraty; e a primeira edição de 2024 da Operação Flipinha, na qual estudantes têm a oportunidade de conhecer de perto o trabalho de escritoras, escritores, ilustradoras e ilustradores. Ambas são uma realização do Educativo Flip, resultado da cooperação entre a Secretaria de Educação de Paraty e a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty.
Caio preparou aulas especiais para os quatro encontros. Nos momentos com professoras e professores do município, emocionou a todos com suas mediações de leitura de “Aqui e Aqui” e detalhou como a sinestesia cria memórias na gente. “A cada vez que eu faço a mediação de leitura do meu livro eu resgato um âncora afetiva”, declarou com lágrimas nos olhos. “Eu sou de Bangu, estudei em Seropédica, e minha fala é atravessada por essas vivências”. Talvez aos poucos Caio vai comprovando que o mais impressionante no livro são as “coincidências” entre os fatos, a realidade, e o que talvez estivesse no seu inconsciente quando escreveu a história e criou as ilustrações. “Aqui e aqui” tem referência cultural e estética. “Com meu livro podemos convidar crianças que ainda não conseguem desenvolver muito a palavra a ler e a mergulhar na leitura”, declarou.
Para Denise Col, coordenadora pedagógica do Educativo Flip, a obra fala da criança a partir dos sentidos, e por isso é tão tocante. “Quando vamos para a sala de aula as narrativas dos livros reverberam em estudantes. Há identificação, incômodo, sensações que abrem caminhos no trabalho de mediação de leitura”, afirmou Denise.
O método de produzir e contar narrativas escrevendo histórias a partir das ilustrações é outro ponto a ser destacado. Lembrando que podemos sempre relacionar os livros com as nossas vivências, mesmo que a realidade ou a inspiração biográfica da autora ou do autor não sejam as mesmas que temos nas nossas experiências de vida. Cada livro alimenta a investigação, a imaginação, a autonomia para as respostas da vida, as questões da vida, que são muitas! Lidar com isso para a criança é enriquecedor e instiga a criatividade.
O brilho nos olhos de quem presencia a fala de Caio reforça a potência de suas escolhas literárias. “Eu fui uma criança que viveu no contexto da falta de incentivo à leitura. Meu contexto social e econômico me impedia de ficar próximo dos livros. O que me chamava atenção na infância eram as histórias em quadrinhos das bancas de jornal. Depois foi na escola que consegui ter acesso a outras obras. É essencial sabermos que o que faz uma biblioteca ser uma biblioteca é a presença das pessoas, senão vira apenas um lugar com estantes de livros. E a partir dos livros podemos fazer a nossa experimentação pedagógica para atuar com crianças e jovens”, ensinou aos participantes da ‘Sementeira de leitura’.
Quando pegamos um livro-ilustrado, ou que tenha somente imagens nas páginas, é primordial saber que as imagens são parte da construção narrativa. “No trabalho pedagógico as imagens dos livros podem nos dar desdobramentos. Quais são as pesquisas que fazemos em sala de aula?”, provocou Caio.
Em “Aqui e Aqui”, por exemplo, aparecem temas como o cotidiano da mãe solo, a ausência da mãe que passa o dia fora de casa para trabalhar, a possibilidade de acesso à creche como direito, a perspectiva lúdica das crianças; a ausência da figura paterna; a relação da memória da personagem com as nossas próprias memórias; a coletividade. “Nós conhecemos o provérbio que ensina que para cuidar de uma criança é preciso uma aldeia inteira, e no meu livro eu falo sobre essa família estendida, nossos vizinhos, parentes que moram próximo”.
Lendo os textos e as imagens criamos outros significados, ampliamos os entendimentos sobre a narrativa. E podemos extrapolar o trabalho com estudantes como Caio fez no encontro com a turma do 5° ano na Escola Municipal Pequenina Calixto, propondo uma oficina de quadrinhos e atividades com desenho. Na conversa com jovens do 9º ano, Caio incentivou o despertar para a profissão de ilustrador, descrevendo como é possível trabalhar o talento de quem gosta muito de desenhar, mostrando seus cadernos de anotações e desenhos e demonstrando como nascem as ideias para seus livros. “Tudo que vivemos no nosso cotidiano pode ser inspiração para criarmos histórias na literatura, a nossa vida é o nosso território”.
Caio Zero
Caio Zero é carioca, artista-educador, pós-graduado na área de educação e artes visuais e autor de livros. Publicou 25Páginas, XPTO n°1 e Rumi, finalistas do prêmio Hq Mix; além disso, foi selecionado por dois anos consecutivos no edital “Minha Biblioteca” e venceu o concurso Chatrone+Perifacon. Suas mais recentes publicações “Aqui e Aqui” e “Cavaleiro Macunaíma” participam da exposição Karingana e foram indicadas como leitura na Revista Crescer. Atualmente integra o coletivo XPTO e Subúrbio Zero e ministra aulas de arte no município do Rio de Janeiro.
Reportagem: Débora Nobre Monteiro
Fotografia: Gabriel Tye