A escolha da 21ª Flip em homenagear, no mesmo ano, Augusto de Campos e Pagu não é uma coincidência. Foi ele um dos poetas mais importantes do seu tempo, responsável também por iniciar uma importante redescoberta da obra multifacetada de Patrícia Galvão. Nas palavras dele, “ando sumido, mas estou aparecido por causa da Pagu. Ela é um caso interessante na cultura brasileira. Apesar da grande quantidade de livros que escreveram sobre ela, acho que até hoje Pagu ainda não foi bem compreendida”.
Embora não tenha ido a Paraty, Augusto de Campos esteve na Flip de muitas maneiras. A começar pelo fato de ser Pagu a Autora Homenageada da edição da Festa. Se na década de 1980 o poeta e tradutor tirou a autora de longo esquecimento ao publicar Pagu: vida e obra, a extensão do universo que ele ajudou a iluminar foi ressaltada por David Jackson (durante a mesa de abertura do Programa Principal) ao afirmar que “há muitas Pagus, e nós, leitores, devemos viver descobrindo essas várias autoras”.
Ainda na quarta-feira, 22 de novembro, o primeiro dia de Flip, os tributos ao Artista em Destaque continuaram. Durante o show de abertura, a cantora Adriana Calcanhotto dividiu o palco com o amigo e parceiro musical de longa data Cid Campos, filho de Augusto. Ao lado de Cid, ela interpretou músicas de Duke Ellington traduzidas por Augusto, como “Solitude”, imortalizada por Gal Costa, e “Sophisticated Lady”, que ganhou uma versão única de Elza Soares. O repertório não deixou a poesia de lado, com interpretações de quatro poemas de Emily Dickinson, também traduzidos por Augusto, e que foram musicados por Cid.
Foi no sábado, 25, que Augusto foi o tema mais importante do Programa Principal. A mesa 15: Sou um canal, reuniu André Vallias, Ricardo Aleixo e Simone Homem de Mello em uma conversa sobre as maneiras como as suas criações dialogam com a produção do poeta, crítico e tradutor. Diante da tarefa proposta, Aleixo ponderou que “é uma vergonha um poeta sem palavras, mas é assim que eu me sinto quando sou incitado a falar da importância do Augusto de Campos”. Vallias disse que aquilo que o liga a “Augusto de Campos é especialmente o uso das tecnologias da palavra”, enquanto Homem de Mello preferiu destacar uma faceta pouco conhecida do homenageado, a de “grande poeta lírico: um poeta que não separa coração e mente, o poeta da objetivação do lirismo”. Durante a mesa, foi exibido um pequeno trecho da conversa entre o próprio Augusto de Campos e Caetano Veloso.
Realizado especialmente para a 21ª Flip, o encontro configura um registro histórico de um diálogo de mais de 50 anos entre artistas fundamentais da cultura brasileira, mas que também são amigos que se influenciaram reciprocamente ao longo das respectivas carreiras.
Assim que terminou a mesa 15, o público reuniu-se no Auditório da Praça, onde Cid proporcionou ao público uma outra forma de interagir com as obras do poeta. Em Poesia é risco, que tem um álbum homônimo lançado em 1995, o artista apresentou canções que nasceram de poesias de Augusto. Ao fundo do palco, um telão exibiu a animação digital dos versos, aprofundando o propósito do movimento construtivista. Ao final da apresentação, o público assistiu a uma versão extendida da conversa entre Augusto e Caetano.
Por fim, a poeta e tradutora literária Simone Homem de Mello publicou, no site da Flip, o artigo “Pressauro: Augusto de Campos e a (Re)invenção do Agora“, em que explora a singularidade e perenidade de Augusto de Campos. O texto destaca a reinvenção constante de seus poemas, mobilizando diversas estruturas textuais e extratextuais, como a incorporação de novas tecnologias digitais na sua literatura. Uma homenagem ao poeta que se distingue por presentificar o passado em sua poesia, resistindo à cooptação por discursos e modas contemporâneas, mantendo-se, assim, na vanguarda.