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a festa

A criação da Festa Literária Internacional de Paraty, em 2003, compõe uma biografia repleta de biografias e inúmeras histórias, narradas não só nos dias da Festa, mas ao longo de todo o ano. Trata-se de uma celebração em processo contínuo de leitura territorial, que se converte em ações transformadoras, vocação das artes por excelência. 

Na Flip, a literatura cria pontes entre linguagens e conhecimentos diversos, a partir da mobilização de uma série de atores internos e externos, que cultivam as mais diversas relações com Paraty e com a Festa. Os encontros promovidos ao longo dos cinco dias de atividades são parte de uma manifestação cultural muito mais ampla. 

Trata-se de uma ativação do território que promove a circulação de ideias e visões de mundo e cria dispositivos que transformam a cidade a partir das experiências oferecidas a seus moradores e visitantes. Um verdadeiro urbanismo participativo.

Ao ocupar os espaços públicos com cultura e promover canais de troca entre aqueles que transitam e aqueles que vivem ali, a Flip é um organismo vivo.  

A Festa Internacional traz a Paraty o mundo, enquanto o mundo, que experimenta a cidade em celebração, leva Paraty consigo. Questões se colocam, o tempo e a cultura no país e no mundo se movem para diversos lados. A Flip acolhe e metaboliza todas essas tensões que emergem a cada edição.

A literatura, as artes e os ofícios de se fazer cidade, nesse sistema, se reafirmam como condutores desse circuito de ideias. O que se manifesta é uma atmosfera que corre pela cidade inteira, uma vibração comum a partir de vozes diferentes.

A cada ano, um projeto artístico, arquitetônico e urbanístico é elaborado para promover um novo encontro com o território. Tal como os textos literários, em que novas leituras são capazes de iluminar pontos até então ocultos, acreditamos que a cidade é algo para ser lido e relido.

o território: Paraty

A localização geográfica de Paraty fez com que, entre meados do século 19 e os anos 1970, fosse possível a preservação das redes de sociabilidade estabelecidas ao longo de séculos. Ao contrário das grandes cidades, que hoje em dia estão a poucas horas de distância, ali habitavam saberes e modos de vida que, embora descentralizados, mantinham coesos o território, ao mesmo tempo que eram capazes de integrar os visitantes. 

Aqueles que chegavam, depois de horas de deslocamento marítimo, ou por estradas praticamente inexistentes, não representavam ameaça às formas de organização e convívio da região. O que havia era troca e colaboração, quem passava deixava algo, da mesma forma que levava consigo aspectos da vida naquele território. Os povos paratienses, com o passar do tempo, souberam criar fluxos de troca com os estrangeiros de modo que fosse dado aos locais o poder de escolha a respeito de quem seriam esses intermediários. 

Essa realidade transformou-se a partir dos anos 1970, com a inauguração do trecho Rio-Santos da BR-101, quando a cidade foi incorporada ao turismo de massa.  Progressivamente passa a prevalecer a experiência mercantil, em que o destino é um lugar a ser consumido, algo alheio à realidade tanto dos viajantes quanto dos locais, e onde a vida ilusoriamente desaparece quando se entra no carro na hora de partir. 

É possível pensar que, a despeito de toda a destruição que essa forma de turismo representa e do fato de o território não passar incólume às mais diversas investidas, Paraty soube – e a todo momento tenta criar novas formas de – resistir a esse modo de ocupação tão fatal à vida que se desenvolveu ali. 

Nhery: cidade aberta

A Flip tem raízes em território de Mata Atlântica, sendo que parte significativa de Paraty é área de proteção socioambiental, em região reconhecida como Patrimônio Misto da Humanidade pela Unesco, um lugar que, por vocação, rompe com a separação entre cultura e natureza. Nessa experiência de cidade, ativada por uma manifestação cultural, as esferas do público e do privado, do interno e do externo, são borradas em nome de um mecanismo colaborativo muito mais complexo e sustentável.  

A presença de Nhe’ery, nome que o povo guarani dá à Mata Atlântica, deve servir de constante lembrança para que a Flip tenha no seu horizonte a missão de contribuir para que possamos imaginar outras formas de vida e de convivência. A Floresta como inspiração em toda a capacidade de troca, de busca por adaptação, diversidade, colaboração e regeneração. 

A Festa faz parte da cidade, e não o contrário, e o seu papel é, através da educação e da cultura, fortalecer os espaços comuns, para que se criem membranas mais permeáveis a trocas. A literatura como ferramenta que alinha essas intenções diz respeito ao seu potencial de condensar as mais diversas vozes. E é a partir dessa polifonia que a Flip pode contar a sua própria história.