Já era início de noite da quinta-feira, 23 de novembro, quando o coral da Aldeia Araponga de Paraty fez a apresentação que saudou a chegada da 20ª edição da Flip. Chamado Kaaguy Ovy, que em Guarani significa “Mata Verde”, o conjunto de crianças e adultos ocupou o Auditório da Praça para entoar canções que falam sobre a natureza e o mar, além da solidariedade entre os povos.
O Auditório da Matriz estava cheio quando Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip, subiu ao palco para dar início ao programa principal de 2022. No ano em que a festa completa 20 anos, ele lembrou que, quando a festa foi concebida, a cidade de Paraty demandava que o território fosse olhado a partir de um horizonte de tempo mais amplo. A Flip, concluiu, traz a moradores e a visitantes não apenas um maior contato com a literatura, mas uma experiência de leitura
Em seguida foi a vez dos curadores subirem ao palco. Fernanda Bastos lembrou que Maria Firmina dos Reis inspira a programação principal da 20ª Flip não apenas devido à sua produção literária, mas também pela defesa da educação e da sensibilidade. Milena Britto destacou a potência transformadora das experiências compartilhadas como aquelas que ocorrem em Paraty durante os dias de Flip. Por fim, Pedro Meira Monteiro celebrou essa edição da Festa como um momento de reencontro, que nos lembra que precisamos respirar de novo. Antes que se iniciasse o debate, a poeta e slammer Midria foi convidada ao palco para apresentar uma leitura de “Uma Tarde em Cumã”, poema de Maria Firmina dos Reis.
Ao iniciar a mesa 1: Pátrios Lares, a jornalista cultural Adriana Couto ressaltou a importância de celebrar a vida e a obra da primeira romancista brasileira. Nas palavras da mediadora, o sonho da escritora maranhense é um sonho de liberdade. A ideia de emancipação, tão presente nos escritos da autora homenageada, foi o tema transversal às falas das professoras e pesquisadoras Fernanda Miranda e Ana Flávia Magalhães Pinto.
Fernanda chamou atenção para o fato de que Maria Firmina plantou, na língua portuguesa, sementes da literatura abolicionista, o que permite com que pessoas como ela possam hoje ocupar novos espaços através da intelectualidade e, assim, provocar uma revisão da história de modo a reconhecer injustiças e enganos causados pela escravidão.
Ana Flávia ponderou ainda que a obra de Maria Firmina dá materialidade a personagens historicamente subestimados em suas capacidades. Por meio da literatura, a romancista viabiliza a experiência negra no século 19 e ilumina a existência de uma rede de solidariedade responsável por possibilitar que, mesmo diante de muitos entraves, ela exercesse o ofício da escrita e do ensino.
Ao criar personagens que se deparam com dilemas reais da época, Ana Flávia chama atenção para o fato de que a autora homenageada da Flip contribuiu para a criação do sujeito negro através da memória coletiva de pessoas escravizadas, e de um exercício de tradução de indivíduos complexos que hoje, mais de um século depois, reinvindicam o seu lugar.
Ao final da mesa, Adriana Couto convidou ao palco as slammers Aflordescendente, Apêagá, Carolina Peixoto, Ibu Helena e Pam Araujo, do Slam das Minas, para que realizassem uma apresentação poética, dirigida pela Luz Ribeiro, a partir de textos autorais e da obra Maria Firmina dos Reis.
A primeira noite de festa terminou com o cortejo do Bumba meu Boi da Floresta de Mestre Apolônio. Trajando indumentárias produzidas pelas costureiras da comunidade, o grupo da baixada maranhense, com mais de 50 anos de existência, saiu da Igreja da Matriz e percorreu as ruas do centro histórico em direção à Praça Aberta, ocupada por coletivos e editoras independentes.