Todos os dias, as crianças que moram na zona costeira de Paraty precisam pegar um barquinho para chegar à escola municipal João Apolônio dos Santos Pádua, na praia do Baré. Quem as leva é Seu Joaci, marinheiro caiçara que frequentou a mesma comunidade escolar, primeira instituição de ensino na região costeira do estado do Rio de Janeiro. A história real é contada no livro “Seu Joaci e o Tempo” (Peirópolis), escrito pela professora Miriam Esposito, convidada da roda de conversa “sabereS de nossoS territórioS”, que marcou também o lançamento da obra.
O trabalho escolar realizado pela professora Miriam e estudantes ganhou o Prêmio Territórios, realizado pelo Instituto Tomie Ohtake.
Acompanhada no palco do Auditório da Santa Rita pelo professor André Gravatá e a mediadora Ana Paula Cerpa, participante do Percurso Formativo Sementes 2023, Miriam celebrou o sucesso da publicação de seu projeto em livro: “A premiação foi aberta para educadores que trabalharam com comunitários e, apesar da pandemia de Covid-19, ajudaram a fluir a vida. Eu represento o professorado brasileiro da escola pública que é resiliente, pois com todas as ondas altas e muito vento sudoeste, chegamos até aqui”.
As bases que debatem o saber milenar, notório, popular, ancestral, como por exemplo a rosa dos ventos, compõem as intencionalidades pedagógicas do trabalho de Miriam na sala de aula. “O caiçara conhece além da tecnologia científica. O caiçara tem conhecimento cognitivo. Tudo na escola que defenda a educação do campo tem referências mais do que pedagógicas, em especial relacionadas ao território”, diz ela. A ciência não pode medir os encantos do sabiá, diz os versos do poeta Manoel de Barros. “Pois Seu Joaci é um sabiá”, conclui chamando Joaci Reis para subir ao palco.
Sensibilidade literária
Com o microfone nas mãos, Seu Joaci ensina: “Como a gente lê o céu? A pessoa que navega tem só a si mesma e ao tempo. Tudo vem do céu. Temos que prestar atenção no que vem do céu, do mar. No céu vamos ver coisas que são muito importantes, nossos pais e avós nasceram e cresceram aqui, o pescador tem essa convivência com o tempo. Tem que ver as nuvens, as correntes das marés, prestar atenção nos pássaros, na natureza”.
No jogo de ler o mundo, os versos também são território. Atento à fala de Seu Joaci, o professor André compartilha lembranças da própria infância: “Para mim as pessoas eram os livros, as ruas eram os livros, as vozes eram os livros, o céu era os livros”. Nesse universo, a poesia é uma chance de desvio e encontro. “Eu celebro muito a escola pública que percebe o território e abre caminhos. E sinto que tem um movimento que o Educativo Flip está afirmando há muito tempo: viver aexperiência de maneira plural e íntima”, completa ele.
Quando falamos de escrita e leitura, estamos falando de palavras. “O que você sente quando ouve a palavra poesia? Desde muito pequeno fui escrevendo a partir da voz e das histórias que iam se escrevendo dentro de mim”, conta antes de pedir ao público que o acompanhe a plenos pulmões espalhando estrofes e rimas pelo ar.
Foto: Gustavo David (@photosbygu)