A localização geográfica de Paraty fez com que, entre meados do século 19 e os anos 1970, fosse possível a preservação das redes de sociabilidade estabelecidas ao longo de séculos. Ao contrário das grandes cidades, que hoje em dia estão a poucas horas de distância, ali habitavam saberes e modos de vida que, embora descentralizados, mantinham coesos o território, ao mesmo tempo que eram capazes de integrar os visitantes.
Aqueles que chegavam, depois de horas de deslocamento marítimo, ou por estradas praticamente inexistentes, não representavam ameaça às formas de organização e convívio da região. O que havia era troca e colaboração, quem passava deixava algo, da mesma forma que levava consigo aspectos da vida naquele território. Os povos paratienses, com o passar do tempo, souberam criar fluxos de troca com os estrangeiros de modo que fosse dado aos locais o poder de escolha a respeito de quem seriam esses intermediários.
Essa realidade transformou-se a partir dos anos 1970, com a inauguração do trecho Rio-Santos da BR-101, quando a cidade foi incorporada ao turismo de massa. Progressivamente passa a prevalecer a experiência mercantil, em que o destino é um lugar a ser consumido, algo alheio à realidade tanto dos viajantes quanto dos locais, e onde a vida ilusoriamente desaparece quando se entra no carro na hora de partir.
É possível pensar que, a despeito de toda a destruição que essa forma de turismo representa e do fato de o território não passar incólume às mais diversas investidas, Paraty soube – e a todo momento tenta criar novas formas de – resistir a esse modo de ocupação tão fatal à vida que se desenvolveu ali.
A Flip tem raízes em território de Mata Atlântica, sendo que parte significativa de Paraty é área de proteção socioambiental, em região reconhecida como Patrimônio Misto da Humanidade pela Unesco, um lugar que, por vocação, rompe com a separação entre cultura e natureza. Nessa experiência de cidade, ativada por uma manifestação cultural, as esferas do público e do privado, do interno e do externo, são borradas em nome de um mecanismo colaborativo muito mais complexo e sustentável.
A presença de Nhery, nome que o povo guarani dá à Mata Atlântica, deve servir de constante lembrança para que a Flip tenha no seu horizonte a missão de contribuir para que possamos imaginar outras formas de vida e de convivência. A Floresta como inspiração em toda a capacidade de troca, de busca por adaptação, diversidade, colaboração e regeneração.
A Festa faz parte da cidade, e não o contrário, e o seu papel é, através da educação e da cultura, fortalecer os espaços comuns, para que se criem membranas mais permeáveis a trocas. A literatura como ferramenta que alinha essas intenções diz respeito ao seu potencial de condensar as mais diversas vozes. E é a partir dessa polifonia que a Flip pode contar a sua própria história.
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