Experiências da Flip 2021 em Paraty, no Pará e no metaverso

A Flip nasceu para estar presente nas ruas da cidade, gerando encontros e trocas, e não há substituição para essa experiência. Esta intenção está manifesta no texto institucional que descreve a Festa no site da Flip:

“É a dimensão do encontro que norteia as muitas linguagens empenhadas na construção de cada Flip: arquitetura, design, cenografia, urbanismo. Cada detalhe é pensado a partir da transformação dos espaços públicos, que ano após ano vão acumulando camadas de apropriação afetiva por visitantes e moradores”.

Por isso, realizar a 19ª Festa Literária de Paraty em formato virtual pelo segundo ano consecutivo lançava desafios para a relação entre a manifestação cultural e o território que a abriga.

A realidade que se apresentava nos meses anteriores à Festa, porém, demandava cuidado: cuidado com aqueles que chegam e, mais importante, cuidado com aqueles que já estavam lá.

 

Cenário montado no Beco do Propósito, em Paraty, para a gravação de uma das mesas da Flip Virtual em 2020Cenário montado no Beco do Propósito, em Paraty, para a gravação de uma das mesas da Flip Virtual em 2020.

 

Diante desse cenário, foi preciso pensar em dispositivos capazes de conectar os muitos atores que conduzem a Festa, indivíduos que, em contato uns com os outros, submetidos à paisagem paratiense, animam a energia potencial da Flip.

 

Personagens de Paraty na abertura das mesas

A presença de Paraty na programação da Flip sempre foi dimensão central na concepção da Festa. Uma proposta criativa que já tinha sido adotada em 2020, ano em que a Flip também foi realizada em formato virtual, foi a de trazer Paraty e seus personagens para o “palco videográfico” do Programa Principal.

 

 

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Em 2021, foram 19 vídeos com depoimentos de personagens paratienses em seus lares, ateliês, roçados e comunidades.

Essa videografia etnográfica com personagens de Paraty abriu cada uma das mesas e foi compartilhada, em versão reduzida, no Instagram da Flip.

 

 

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Rede de salas presenciais

A videografia levou Paraty para as mesas do programa principal. Restava a outra via dessa relação com o território: fazer com que a 19ª edição da Festa, mesmo exclusivamente transmitida via YouTube, estivesse presente em Paraty.

Nesta investigação, percebeu-se que a ferramenta de conexão usada para viabilizar as transmissões virtuais guardava um maior potencial de expansão. Se era possível levar o Programa Principal de volta ao território, existia também a possibilidade de traçar novos rumos, explorar outros pontos de um mapa bem maior.

Logo ficou claro que não bastaria simular algo como uma Flip convencional, só que mediada por telas. Se ainda não era hora de deslocamentos físicos e grandes reuniões, alguma forma de encontro talvez fosse possível. A Festa poderia servir, por que não, de ponto de partida para expressões locais que compreendessem e respeitassem as limitações, assim como as possibilidades, desses lugares que se abriram para receber a Flip.

 

O Silo Cultural de Paraty exibiu a Mesa 5: Plantas e cura para uma audiência presencial. Após a exibição, propuseram uma roda de conversa com a médica Fernanda Dettori, que pesquisa medicinas indígenas em diálogo com a ocidental. João Paulo Lima Barreto, que dividiu a Mesa com a ecóloga australiana Monica Gagliano, foi recebido com aplausos no local e participou da conversa.

 

Surgiu assim a ideia de Salas de Exibição da Flip: a partir de uma articulação entre a equipe da Festa e coletivos locais, foram idealizados pontos de encontro onde seriam transmitidas as mesas do Programa Principal, Educativo e Flip+.

Mas isso era só o começo. As demandas próprias e os interesses de cada um desses grupos foi o que de fato delineou as atividades das Salas. As discussões das mesas, assim como o próprio conceito gerador da 19ª Festa, eram apenas o desenlace para que uma outra manifestação cultural tomasse os dias das pessoas que lá estivessem.

Ao longo de cinco encontros, a equipe Flip reuniu-se com representantes dos coletivos interessados em montar as suas próprias Salas de Exibição. A exemplo das plantas, responsáveis por moldar a 19ª Festa, vislumbrou-se uma dinâmica de trabalho colaborativa e horizontal.

Em todas as Salas, a comunidade local propôs atividades para acompanhar as mesas. A Biblioteca Comunitária Colibri anunciou sessão com pipoca e suco. Já o Núcleo de Mídias em Paraty organizou oficinas com a Coletiva Mulheres da Terra

 

O que se percebeu ao final do processo, e da própria Festa, foi que, na variedade das atividades propostas, a Flip era parte de uma programação maior e diversa. É motivo de alegria saber que, ainda que diante de um cenário instável e extraordinário, a Flip pôde, de algum modo, manter a relação com o território e se fazer presente em Paraty.

E ir além: em parceria com o Instituto Cultural Vale, as Salas chegaram também em Canaã dos Carajás e em Parauapebas, municípios paraenses que conectaram Paraty e a Mata Atlântica à Amazônia, a grande floresta que foi ponto de partida e de chegada de diversas mesas da 19ª Flip.

As Salas de Exibição da Flip também foram montadas no Pará, em parceria com a Academia Canaãnense de Letras em Canaã dos Carajás (primeira foto) e com o Museu de Parauapebas (segunda foto).

 

Confira mais relatos e fotos produzidos pelos núcleos responsáveis por idealizar e produzir a programação de cada uma das Salas de Exibição.

 

Exibição da mesa de encerramento da Flip no Jardim Virtual

Com as Salas Presenciais, foi possível aquecer a relação da Flip com Paraty e ampliar o mapa para colocar a Nhe’éry em contato com a Amazônia. O YouTube, com tradução simultânea para inglês, português e até para o francês, permite que o conteúdo das mesas chegue também a uma audiência global. E a Flip explorou ainda outra possibilidade para tornar a exibição virtual das mesas ainda mais interativa.

O grupo francês Banlieue du Turfu promove atividades e oficinas em que os participantes imaginam, juntos, como seria o futuro a partir da perspectiva dos povos periféricos. Um futuro melhor, para o BdT, pode surgir justamente nas margens das grandes cidades, na periferia do mundo.

Entre as ferramentas usadas, estão ambientes virtuais como o Firdaws Numérique, um jardim virtual colaborativo onde as pessoas se encontram para compartilhar ideias e propor caminhos para um futuro mais inclusivo.

A Flip compartilha desse olhar, e por isso promoveu a exibição, no jardim virtual, da Mesa 19: Cartografias para adiar o fim do mundo, com Ailton Krenak e Muniz Sodré. Um encontro dedicado a propor mapas para adiar o fim do mundo, exibido em um ambiente construído para imaginar o futuro de forma colaborativa.

 

Exibição da Mesa 19: “Cartografias para adiar o fim do mundo” no jardim virtual do Banlieue du Turfu.

 

A pedido dos organizadores, para garantir a estabilidade da plataforma e da experiência, um número restrito de pessoas foi convidado. Aqueles que aceitaram o convite puderam interagir com outras pessoas por meio de um avatar que poderia ter a cor da pele, cabelo, roupas, e outros atributos customizados.

Microfone e câmera puderam ser habilitados quando os participantes se aproximavam de outros avatares. Assim, enquanto a mesa era exibida, era possível ver o rosto real das outras pessoas em suas casas. E, ao final da mesa, os participantes puderam conversar sobre a experiência e explorar conteúdos extras, como outros vídeos e artigos, posicionados no jardim.

 

Entre as opções que os usuários têm de interação no Jardim Virtual estão a customização da aparência do avatar e a possibilidade habilitar ou desabilitar câmera e microfone. É possível acessar o Jardim pelo computador ou via celular (foto).

 

Ana Paula Lepori, urbanista colaboradora do Museu do Território e uma das convidadas e participantes das investigações do Jardim Virtual comenta: “É mais interessante convidar um público definido para as atividades nesses ambientes virtuais, sobretudo aqueles que já se sentem à vontade com games e tecnologias imersivas. Oficinas interativas de cartografia com estudantes do ensino médio, por exemplo, podem ser melhor aproveitadas e enriquecer a discussão trazida por uma mesa”.

 

Reflexões sobre as experiências

Para o futuro, fica evidente que não só é possível, como desejável, multiplicar os pontos de contato da Flip com o seu público. Assim, mesmo com o retorno das atividades presenciais, o palco principal, que geralmente ocupa a Praça da Matriz, cria ramos, e se multiplica em inúmeras outras salas.

“Um número interessante de pessoas reunidas para assistir às mesas juntas gira em torno de 15 a 20. Com um grupo assim, coeso e próximo, as trocas entre as pessoas e a absorção das mensagens que a Flip promove são potencializadas”, afirmou Mauro Munhoz, durante uma roda de conversa que aconteceu após a exibição de uma mesa no Silo Cultural.

Felizmente, os formatos podem conviver. Em uma mesa você pode querer se sentir conectado ao grande público, reunido e atento no Palco da Matriz; em outra, explorar uma das Salas de Exibição, com suas manifestações e leituras próprias; quem sabe em casa, como quem assiste a um filme, ou mesmo durante as tarefas cotidianas, já que as transmissões seguirão disponíveis no canal da Flip no YouTube.

Há ainda as fronteiras virtuais a serem exploradas, onde a exibição das mesas ganha camadas multimídias, interativas e gamificadas. Ao longo da 19ª edição, muito semeou-se. Estamos entusiasmados e curiosos por aquilo que há de florescer.