Em abril de 2021, quando a pandemia no Brasil estabilizava-se em um alto patamar de horror e devastação, João Paulo Lima Barreto acessava uma videochamada para fazer história. Naquele encontro, o índígena Tukano apresentava o Kumuã na kahtiroti-ukuse: uma ‘teoria’ sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro, tese que lhe daria o título de doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O trabalho, que discute a noção do corpo para os pajés das tribos que habitam terra indígena localizada no estado do Amazonas, não apenas consagrava o primeiro filho daquela terra com o mais alto título acadêmico do curso, mas também apresentava ao mundo branco, de maneira rigorosa e sistematizada, a rica epistemologia e os conceitos do Alto Rio Negro.
Membro do Coletivo Curatorial da 19a Flip, João Paulo carrega o sobrenome de um grande nome da literatura brasileira, o escritor carioca Afonso Henriques de Lima Barreto, conhecido apenas por Lima Barreto, autor homenageado da 15a edição da Festa. A história dessa “herança” remonta à trajetória de vida do antropólogo, que por influência de missionários católicos adotou o nome não como uma forma de apagamento, algo tão comum às relações estabelecidas entre esses dois modos de vida, mas como uma marca das raízes que quer criar no mundo dos colonizadores, para que enfim a sabedoria de seu povo receba o devido respeito e o reconhecimento.