A agrofloresta de Zé Ferreira

Zé Ferreira vive sozinho no sítio agroecológico São José, em Paraty, no sertão de Taquari, ao qual se chega depois de mais de uma hora de caminhada. O respeito pelo meio está inscrito na casa que construiu ao longo de onze anos. Buscando não ferir a floresta, utilizou árvores mortas como matéria para a edificação, valendo-se de seus anos de trabalho como mestre de obras. Dali, avista o sistema agroflorestal com que ficou conhecido.

 

Biólogos, agrônomos, pesquisadores e entusiastas de todo mundo vão a cada ano ver de perto o plantio autônomo e sustentável praticado ali. Ao lado de Zé Ferreira, aprendem, por exemplo, a distinguir as plantas comestíveis na mata, preparar a poda e organizar a matéria orgânica, e, entre outras atividades, como comercializar os produtos colhidos, sempre numa perspectiva de transformação social, ambiental e econômica. 

 

Grande parte do que se consome ali é cultivada no sítio. Como não há geladeira, os alimentos são colhidos na hora ou então mantidos em conservas. Arroz, feijão, inhame, palmito, cupuaçu. Mesmo os temperos são produção local. Depois é só acender a lenha do fogão, também recolhida do descarte da natureza.

 

Com a sabedoria das plantas seculares que o cercam, como a gigantesca copaíba, de mais de 400 anos, que impera no meio do sítio, Ferreira busca na independência a garantia de liberdade. A demanda de energia elétrica é atendida por uma pequena hidrelétrica construída pelo agricultor. 

 

Foi para lá nos anos 1980, carregado de indignação. Como seus dias podiam se resumir ao trabalho no canteiro de obra? Entre outras coisas, perdia aquilo que mais prezava: o contato com os filhos. Queria vê-los crescer, ensiná-los as coisas da terra, exatamente como seu pai havia feito em sua infância.

 

Essa memória está magnetizada em seus poucos e úteis pertences, como as ferramentas que maneja diariamente, machado, foice, marreta, talhadeira etc. Ou o relógio de bolso, a lamparina, a caneca de metal, além de um garfo e colher que herdou de sua avó quando saiu de casa aos 17 anos para trabalhar na cidade. Conta que leva os talheres para todo lugar. “Gosto do peso que eles têm na mão.”  

 

É um homem da terra, da concretude das coisas. Um zelador da natureza e um espectador privilegiado. À noite, desliga o gerador e deixa-se envolver pelo som das aves e dos animais noturnos. Alguns aparecem. Em uma pasta, guarda uma colheita diversa: diários de muitos anos, reflexões e poemas sobre a agrofloresta e sua relação com a natureza. Foi um jeito de não se perder no emaranhado de pensamentos. Porque no mato Zé Ferreira não se perde.

No sítio São José

Gabriela Portilho é jornalista e fotógrafa documental formada pela Universidade de São Paulo e pela Université Lumière Lyon II, na França. Seu trabalho está focado na investigação da relação dos seres humanos com seu universo simbólico, religioso e mitológico, permeando territórios oníricos. Trabalha para diversos veículos internacionais, como The New York Times, The New Yorker, New York Magazine e Wallpaper Magazine. Também colabora com a National Geographic Latam, El País, Superinteressante, Nova Escola, O Estado de S. Paulo, UOL Tab, entre outros. É membro do Women Photograph e Native Agency. Faz parte do coletivo latino-americano Ruda e é uma das cofundadoras do Doroteia, coletivo brasileiro focado em histórias protagonizadas por mulheres.